A Universal | - 2:14 pm
Da fila do trânsito ao celular na mão, nossa pressa por recompensas imediatas revela muito sobre como pensamos e vivemos
Esperar nunca foi confortável, mas pesquisas recentes mostram que esse desconforto está se tornando cada vez mais insuportável. Um estudo conduzido por Annabelle R. Roberts e Ayelet Fishbach revelaram que a impaciência cresce à medida que a espera se aproxima do fim, seja aguardando o resultado de uma eleição, a chegada de um ônibus ou até mesmo a primeira dose de uma vacina. Esse fenômeno não está apenas relacionado ao tempo decorrido, mas a um desejo urgente de encerramento. O dado impressiona: estima-se que os americanos gastam 37 bilhões de horas por ano em filas e que cada pessoa perca, em média, 42 horas anuais no trânsito — tempo que poderia ser aproveitado de maneira mais produtiva e menos estressante.
O CÉREBRO QUER TUDO AGORA
Esse desconforto tem raízes profundas no funcionamento do nosso cérebro. A chamada present bias, ou viés do presente, é um padrão da economia comportamental que mostra a tendência humana de valorizar recompensas imediatas em detrimento de benefícios maiores no futuro. Isso ocorre porque áreas cerebrais ligadas à emoção, como o estriado ventral, se sobrepõem ao raciocínio racional comandado pelo córtex pré-frontal. Assim, a promessa de um prazer instantâneo costuma falar mais alto do que a lógica de esperar. Pesquisas reforçam esse ponto ao mostrar que pessoas mais impulsivas tendem a preferir recompensas imediatas, ainda queincertas,emvezdeesperarporum benefício garantido e mais vantajoso.
O QUE O TESTE DO MARSHMALLOW REVELOU
Esse dilema não é novo. O famoso “teste do marshmallow”, conduzido por Walter Mischel na Universidade de Stanford, demonstrou que crianças capazes de resistir à tentação de comer um doce imediatamente, esperando pela promessa de ganhar dois mais tarde, apresentavam melhor desempenho acadêmico, maior autocontrole e até índicesmaissaudáveis na vida adulta. Décadas depois outros estudos confirmaram que os pequenos com maior capacidade de adiar recompensas apresentavam mais estabilidade emocional, maior disciplina e até um índice de massa corporal mais equilibrado. Em Singapura, pesquisas semelhantes mostraram que crianças que dominavam a paciência e o autocontrole tiveram melhor memória de trabalho, desempenho escolar superior e menos problemas emocionais ao longo do tempo. Mas não se trata apenas de autocontrole individual. A confiança no ambiente ou na pessoa que promete a recompensa futura também desempenha papel central. Estudos indicam que, quando a criança ou o adulto acreditam que a promessa pode não ser cumprida, a paciência diminui drasticamente. O contexto cultural também influencia: em um experimento, crianças japonesas mostraram-se três vezes mais pacientes para esperar comida do que presentes, enquanto nos Estados Unidos a lógica foi inversa, refletindo valores sociais distintos sobre consumo e tradição.
QUANDO A PRESSA COBRA SEU PREÇO
A dificuldade em esperar tem consequências práticas importantes. Pessoas impacientes, por exemplo, apresentam 56% mais chance de abandonar o ensino médio, mesmo reconhecendo a importância dos estudos. Essa falta de visão a longo prazo também se reflete no mercado de trabalho e nas finanças pessoais, já que a cultura do “tudo para agora” alimenta o consumo desenfreado, o endividamento e a frustração constante. Com a popularização da tecnologia, esse quadro se intensificou: aplicativos de entrega, compras online em um clique e vídeos curtos como os do TikTok estimulam ainda mais a busca pelo prazer instantâneo.
IMPACTOS NO CÉREBRO E NA SAÚDE MENTAL
Neurocientistas e psicólogos alertam que esse consumo contínuo de estímulos rápidos altera como o cérebro funciona. O sistema de recompensaésobrecarregado, e isso prejudica habilidades fundamentais como foco, memória e regulação emocional. Em alguns casos, os efeitos são comparados a comportamentos semelhantes aos observados em dependências químicas, como o alcoolismo. Não por acaso, especialistas apontam que viver em ambientes onde tudo está disponível de forma imediata contribui para o aumento da ansiedade, do estresse e da dificuldade de lidar com frustrações cotidianas. A pressa constante não só desgasta a mente como também molda o pensamento. Pesquisas publicadas na revista Judgment and Decision Making sugerem que pessoas que buscam gratificação imediata tendem a adotar estilos de raciocínio mais simples e menos reflexivos, enquanto indivíduos mais pacientes costumam apresentar um pensamento mais complexo e elaborado.
IMEDIATISMO VIROU ESTILO DE VIDA
O imediatismo, portanto, não é apenas um hábito moderno, mas um fenômeno multifacetado que envolve aspectos biológicos, sociais e culturais. Ele começa na infância, é reforçado pela tecnologia e pela cultura de consumo e tem consequências diretas na saúde mental, no aprendizado na economia pessoal e até na forma como pensamos. Vivemos, de fato, em uma era em que esperar tornou-se quase insuportável. A chamada “Geração que não sabe esperar” revela muito mais do que impaciência: mostra como a pressa constante pode corroer nossa capacidade de planejar, refletir e encontrar equilíbrio. Mas, embora o imediatismo seja uma tendência crescente, não define toda uma geração. Muitos jovens e adultos ainda valorizam a paciência, o planejamento e a reflexão e são esses hábitos que podem garantir um futuro com esperança mais equilibrado e consciente.
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